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Um visionário, muitas aventuras

Eduardo Passalacqua começou a empreender na loja do pai no final da sua adolescência, mas dono de um estilo audacioso decidiu ser industrial e acabou construindo uma história sedimentada pela paixão, ética e determinação

Entre 1986 e 1990, o Brasil mergulhou em uma desordem econômica sem precedentes. Foram três planos para derrubar a inflação – Cruzado II, Bresser e Collor; em março de 1990 o índice bateu em 84%, um recorde – além de duas trocas de moeda: cruzado novo e cruzeiro. Nada deu certo. Em tempos de tempestade, prudência é a melhor bússola, dizem os analistas, mas essa indicação não chegou aos ouvidos dos irmãos Passalacqua, de Ribeirão Preto quando visitaram a 5ª Mostra do Mobiliário de Bento Gonçalves, em 1986.

Eduardo e Sílvio ficaram atraídos com o que viram no estande da Schmuziger e adquiriram uma máquina para espumação quadrado e uma redondo, uma mesa de fechar colchão, uma máquina horizontal de corte e outra mesa de corte vertical. Na prática, representava a inserção da família no ramo industrial. O problema era onde colocar o maquinário. Só em 1990 acharam um terreno e depois de seis meses, com a estrutura pronta, começaram a espumar. 

O tamanho dessa ousadia soa familiar para Eduardo que tem o espírito aventureiro no seu DNA. Na infância acompanhava os pais nas visitas ao sítio do avô materno; aos 14 ia sozinho – gostava de caçar. Com 15 anos, ele e um amigo foram para Porto Alegre, e de lá para Santana do Livramento, onde passaram para o lado uruguaio, separado por uma praça. A façanha seguinte foi visitar cidades da Argentina e do Paraguai.

Solange e Eduardo Passalacqua com a família

Aos 18 anos, viajou para a Itália, berço dos avós. Pegou o vapor Júlio César, o mesmo que o avô Calisto veio para o Brasil, e se instalou no último lance das escadas. “Parecia que estava em um submarino”, brinca. Desembarcou em janeiro de 1973 e na primeira quinzena de fevereiro rumou para Roma, onde se instalou no antigo mosteiro dos padres beneditinos, ao lado da Basílica de Santa Francesca, próxima ao Coliseu.  Dez dias depois foi para Londres e lá tomou a decisão de arranjar emprego. Foram nove semanas.

Durante sete meses e meio, Eduardo conheceu 14 países antes de retornar ao Brasil. “Costumo falar que fiz três faculdades, Administração, Economia, ambas pela Universidade Moura Lacerda, de Ribeirão Preto, mas a mais importante foi essa viagem”, destaca. Ele retornou em agosto e foi para a escola e, como estava decidido a trabalhar com o pai, avisou que estudaria à noite. A família foi contra, mas ele não desistiu.

Tempos difíceis 

Em setembro de 1973, Eduardo ingressou na loja do pai, ao lado do irmão mais velho e seis empregados. O irmão tocava a parte de tapeçaria e vendia para pequenas fábricas de móveis; o pai começava a trabalhar com papel de parede de plástico, piso vinílico e carpete. Coube a ele a área de carpetes: vendia, fazia entregas de carpete e de piso, e ajudava na colocação na casa dos clientes. “Não tinha talão de pedido; era na base da amizade”, revela.

“Costumo dizer que fiz três faculdades, mas a mais importante foi essa viagem”

A venda de revestimentos colocou a loja em destaque no interior de São Paulo e uma das maiores do país. Surge então a ideia de montar um atacado – boa parte dos compradores vinha de Sertãozinho, Palatais, Brodósqui, Jardinópolis, Franca e outras cidades num raio de 100 km. “Se for eu ao encontro deles, vendo mais e evito que venham para cá”, ele pensou. Mas havia o Pinguim, famosa choperia de Ribeirão Preto, ponto de encontro dos compradores. 

“Contavam que era a única alegria quando iam para Ribeirão, então, negociei mil tulipas com o dono e distribuí como vale-chope conforme o volume de compras. Isso foi em 1977. Triplicamos as vendas”, aponta Eduardo, sem esquecer de outra iniciativa sua que ajudou a alavancar as vendas: o uso de marcas próprias em latas de colas, grampeadores, caixas de grampo, plásticos, entre outros itens. “Fui inovador nisso”, enaltece. 

A morte do pai em 1993, no entanto, desencadeia um impasse na família: os irmãos queriam fechar a indústria. Eduardo foi contra. A divisão só aconteceu seis anos depois. “Desde então, meu negócio é indústria”, certifica, acrescentando que em 2012 decidiu ter lojas próprias de colchão, com marca diferenciada do varejo. Hoje são nove, mas há planos para aumentar via franquias.

Incêndio 

O ano de 2012 poderia fechar auspicioso, mas no sábado, 22 de dezembro, foi pego de surpresa ao ver a fábrica ser destruída por um incêndio, que atingiu parte do maquinário e o estoque. “Foi um baque. Minhas filhas disseram: se o senhor quiser parar, a hora é esta. Decidi seguir em frente”, lembra. Dezoito meses antes, as seguradoras haviam recusado fazer apólice de seguro para fabricantes de colchões e móveis. Ou seja, tecnicamente, estava a descoberto.

Parque industrial da Passalacqua Indústria, em Ribeirão Preto (SP) 

“Certas espumas somente nós fabricávamos. A espumação ficou intacta, assim como as mesas de fechar a colchoaria. As bordadeiras queimaram, mas consegui arrumar. No segmento calçadista – outra divisão da empresa – peguei emprestado um torno”, conta. Entre o incêndio e a retomada da produção foram 15 dias. Foi um período que exigiu muito trabalho para colocar a fábrica em pé e evidenciou dois traços da sua personalidade: profissionalismo e ética – o mercado entende isso como confiança. 

Fez contato com os fornecedores avisando que as duplicatas seriam pagas na data do vencimento; para as próximas pediu prazo. Ao ver as “contas a receber” uma surpresa: os recursos previstos “entravam” com valores maiores: muitos clientes anteciparam os débitos – sem pedir desconto. Assim, quitou todas as duplicatas em dia, bem como os impostos e não atrasou salários. Na época, eram pouco mais de 70 funcionários, hoje são 105 e mais 15 na rede de lojas. 

Parceria da família

O que lhe dá prazer hoje é reverenciar os 34 anos da trajetória da Passalacqua Indústria e o orgulho de ver as filhas na gestão da empresa. Juliana cuida das áreas financeira e administrativa; Roberta, da parte industrial, marketing e iniciativas ESG; e Fernanda, responsável pelo RH, lojas e a implementação do e-commerce – seu marido, Cristian presta serviços de marketing. 

Em 2021, levou um susto. “Chamem a família, ele não passa dessa noite”, disseram os médicos. Havia pegado Covid-19”. Foi terrível, mas sobrevivi”, recorda Eduardo. Desde 2017 ele e a mulher, Solange, vem enfrentando problemas de saúde, alguns muito sérios. “Ela é a parceira da minha vida. Sempre passando tranquilidade para eu poder trabalhar. Mesmo doente não desiste de ajudar. Não vi minhas filhas crescerem porque viajava muito. Então, devo muito a ela”, reconhece. 

No livro Todas as Cartas (Editora Rocco), a escritora Clarice Lispector faz a seguinte anotação: “Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de”. A rigor, muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para frente na superação de desafios. Que o diga o próprio Eduardo, que construiu uma história com paixão, ética e determinação.