Quem deve entender de ergonomia é o fabricante
A prevenção de acidentes, como as quedas, passa pelo desenvolvimento de colchões e camas que acompanhem as mudanças do corpo que ocorrem nas várias fases da vida, com atenção especial voltada aos idosos

Em 1980 o grupo de pessoas 60+ representava 6,1% da população brasileira. Em 2022 atingiu 15,1%, segundo dados do censo. Em números absolutos, passou de 15,2 milhões em 2000 para 33 milhões em 2023, e as projeções do IBGE indicam 75,3 milhões em 2070, o que significará 37,8% do total. Dito de outra maneira, a imagem de um país jovem tende a desaparecer gradualmente devido à combinação de dois fatores: o aumento da expectativa de vida e a queda da taxa de fecundidade – fenômeno que, em maior ou menor grau, vem acontecendo em diversas partes do mundo.

Com doutorado em Ciências Humanas e ênfase em Design de Interiores pela Oklahoma State University e professora na Illinois State University, ambas nos EUA, a gaúcha Gabriela Fonseca Pereira se dedica a pesquisas sobre soluções de moradias para idosos e tem propriedade para atestar que quando se trata de colchões, a indústria precisa se responsabilizar pela qualidade e segurança dos produtos. Afinal, ao envelhecer, mudanças físicas acontecem no corpo que influenciam, em especial, idosos no uso de produtos – entre eles, a cama.
Para começar, Gabriela afirma que os problemas que acontecem no Brasil são os mesmos nos EUA, onde mora há nove anos. A indústria pode continuar focando em estilo, durabilidade, mas não pode esquecer da segurança e nas medidas ergonômicas, fundamentais para garantir a longevidade do usuário. Gabriela é categórica: “Nem os idosos e nem as outras gerações dormem em camas ergonomicamente corretas. Nas últimas décadas, a altura das camas tem aumentado absurdamente. Parece que o setor não está muito preocupado com a ergonomia e a segurança dos usuários”, assinala.
Basta fazer o teste, ensina: se ao sentar-se na cama, não encostar os pés no chão (toda base do pé) é sinal de que a altura está incorreta e a cama muito alta. Assim como a mesa de cabeceira precisa oferecer segurança, os colchões não podem ter densidade muito macia (por esse motivo e pela estabilidade na coluna). “A indústria precisa focar em entender seu cliente”, ela insiste e justifica: “Nas minhas pesquisas no Brasil, os idosos me mostravam suas camas novas altura muito alta com orgulho e me relatavam quedas. Não associavam a altura inadequada ao acidente e quando associavam, diziam que não havia solução – era o que o mercado oferecia. A indústria precisa lembrar que o cliente não sabe sobre ergonomia”, reitera.
De olho nos princípios
Conceitualmente, existem basicamente três elementos-chave de design considerados na criação de um móvel. O design funcional, que determina a função pretendida e identifica os benefícios que se espera da peça. O design estético, que se concentra nos aspectos artísticos – forma, textura, cor e formato – levando em consideração ainda a influência de culturas e tendências da moda e a demanda dos consumidores. E o design de engenharia, que define os critérios ergonômicos, materiais, técnicas de construção e tecnologias de fabricação mais apropriados.
Os princípios da ergonomia na produção de colchões são o alinhamento da coluna vertebral, no qual o colchão ideal deve proporcionar um suporte adequado à coluna vertebral, mantendo-a em uma posição neutra durante o sono; a distribuição do peso deve ser de forma uniforme, evitando a concentração de pressão em determinadas áreas; conforto e adaptação para cada pessoa; e por fim, a escolha dos materiais, fundamental para garantir a durabilidade, a higiene e o conforto do colchão.
Cada indivíduo tem necessidades únicas quando se trata de seu ambiente de sono. Fatores como peso corporal, condições pessoais de saúde e até mesmo temperatura preferida para dormir desempenham um papel significativo na determinação do colchão ergonômico mais adequado. A importância da ergonomia do colchão vai além do conforto. Um corpo bem alinhado durante o sono promove melhor respiração e circulação, essenciais para atingir ciclos de sono profundos e restauradores. Colchões ergonomicamente projetados contribuem para uma postura de sono mais saudável, levando a melhorias gerais na qualidade do sono e na energia durante o dia.

Já a ergonomia da cama desempenha papel crucial
na qualidade de vida de pessoas com mais de 60 anos – com o avançar da idade, o corpo passa por diversas mudanças, como a diminuição da força muscular e da flexibilidade, o aumento da sensibilidade à dor e alterações no padrão de sono. Uma cama ergonomicamente adequada pode auxiliar na prevenção de dores, melhorar a qualidade do sono e promover o bem-estar geral. A escolha deve levar em conta uma altura adequada e barras de apoio podem ajudar a prevenir quedas – especialmente para pessoas com mobilidade reduzida.
“A indústria precisa se responsabilizar mais pela qualidade e segurança dos produtos que oferece”
Fábricas responsáveis
Gabriela reforça que a indústria precisa se responsabilizar mais pela qualidade e segurança dos produtos. “Nenhum cliente é igual. Colocar todos os idosos na mesma cesta, como se fossem um grupo homogêneo é um erro”, argumenta. Questionada como vê o nível de interesse e de preocupação da indústria de camas e colchões, é taxativa: “Sinceramente, vejo muito pouco”, e emenda: “Há preocupação com resistência, durabilidade, qualidade do sono, mas não vejo atitude com ergonomia em relação à segurança contra quedas ou acidentes”.
De acordo com ela, persiste a ideia errônea de que design e/ou produtos para idosos tem que parecer velho ou antigo. “É um equívoco absurdo. O mercado está voltado para o usuário mais jovem. A indústria esquece da população idosa que vem aumentando no mundo e isso é um nicho de mercado incrível. A maioria dos idosos gosta e procura por produtos de qualidade, mas se a indústria não oferece produtos e treinamento aos vendedores sobre ergonomia, ela está contribuindo para aumentar as quedas dos idosos”, lamenta a pesquisadora gaúcha.
Para ela, indústrias, designers, arquitetos e engenheiros deveriam estar se especializando em focar num design inclusivo, tendo o ser humano – em diferentes fases da vida e habilidades cognitivas e físicas – como foco central dos seus projetos e produtos. “Acredito que a solução esteja em produtos de uso mais flexível. O nosso corpo muda com a idade, nossa altura diminui, portanto, produtos que se adaptem as nossas mudanças naturais são cruciais para manter a segurança das pessoas. O foco maior da indústria, tanto de colchões como de móveis, é a venda. Deveria ser o usuário.”, conclui.