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Sustentabilidade avança lá fora e patina no Brasil

Europa e EUA estão à frente na adoção de medidas, metas e tecnologias para elevar a pegada ambiental na produção e descarte de colchões, conforme análises apuradas na EBIA e na ISPA, que trataram ainda de temas como ecodesign e greenwashing

O Brasil possui o Inmetro, órgão regulador e fiscalizador que age sobre a indústria de colchões, o que o diferencia dos demais países. No entanto, estamos atrás de Europa e Estados Unidos em relação à sustentabilidade. A Europa está mais avançada, com leis e prazos definidos para a reciclagem de colchões. Os EUA estão em fase inicial. Essa foi uma de várias percepções obtidas em dois eventos, ambos realizadas no terceiro trimestre de 2024 e que reuniram representantes da indústria colchoeira.

Em Málaga (Espanha) a 25ª assembleia da European Bedding Industries Association (EBIA), reuniu nos dias 19 e 20 de setembro 70 CEOs dos principais players do mercado colchoeiro da Europa. Um dos tópicos avaliados foi o Ecodesign for Sustainable Products Regulation (ESPR), que tem potencial de reduzir a geração de resíduos e aumentar a eficiência de materiais em toda Europa. Foram analisadas estratégias para alinhamento desses novos requisitos, assim como o compartilhamento das melhores práticas para as empresas.

Rene de Oliveira, CEO da Overseas

Já a International Sleep Produtcs Association, atraiu no Hilton Charlotte Uptown, em Charlotte, na Carolina do Norte (EUA), cerca de 170 fabricantes, fornecedores, varejistas e recicladores no ISPA Sustainability Conference, para discutir os desafios enfrentados pela indústria de colchões norte-americana. O encontro aconteceu nos dias 25 e 26 de setembro e nem mesmo o furacão Helene de categoria 4, teve força para abalar o andamento dos trabalhos. Ao contrário da EBIA (em que é preciso ser convidado), a ISPA é um evento aberto (basta pagar US$ 800).

O empresário, Rene de Oliveira, CEO da Overseas, fornecedora de suprimentos e tecnologia para colchões e móveis, teve o privilégio de estar presente nos dois eventos e nessa entrevista ele divide com os leitores do Anuário de Colchões as suas impressões.

“O Ecodesign for Sustainable Products Regulation (ESPR) tem potencial de reduzir a geração de resíduos e aumentar a eficiência de materiais em  toda Europa”

Encontro da EBIA

No encontro da EBIA, ficou claro que o colchão está na mira na questão ambiental, porque causa problemas no descarte. “Há vários produtos dentro de um produto – mola, espuma, tecido, fibra – lembrando que todo material é colado. Para desmontar é um problema, mas a Europa está muito avançada”, diz Rene, lembrando que há empresas na Bélgica que já utilizam o passaporte digital no produto. “Quando for fazer o descarte final será possível ler em uma etiqueta tudo que tem no colchão e separar corretamente os materiais”, explica. França, Holanda e Alemanha avançam nessa direção.

A Europa está mais avançada, com leis e prazos definidos para a reciclagem de colchões

Outro tema analisado no evento da EBIA foi o combate ao greenwashing, a prática de fazer propaganda enganosa, informando, por exemplo, que o colchão é reciclável, usa material reciclado, mas na verdade é puro marketing, porque não tem realmente comprovação. “Saiu uma lei na Europa que trata dessa propaganda enganosa para o consumidor de falar que tem produto verde ou sustentável e não é”, conta Rene. A lei é da Comunidade Europeia e alcança todos os setores dos 27 países membros para evitar esse marketing falso. “Nem nos EUA existe algo parecido sobre o Greenwashing”, comenta.

Greenwashing, a prática de fazer propaganda enganosa, é crime

 

“(Nos EUA) o colchão precisa atingir índice de 75% mostrando que o material usado seja reciclado, mas sem data e compromisso para alcançar esse índice”

ISPA Sustainability

Ao contrário da Europa que estipula uma data para tornar o colchão reciclável, nos EUA não há prazo e, sim, meta. “O colchão precisa atingir um índice mostrando que 75% do material usado na fabricação seja reciclado, sem data e compromisso para alcançar esse índice. No fundo é uma recomendação da ISPA aos associados”, aponta Rene, acrescentando que a entidade não tem poder de autoridade – somente de orientação. Na EBIA é a mesma coisa. Na Europa, a Bélgica fixou janeiro de 2025 como início de um novo ciclo de sustentabilidade.

Nos EUA não existe lei que trate do greenwashing, mas ficou o alerta no encontro da ISPA para que todos tenham cuidado com a propaganda enganosa sobre os colchões. “Se você afirma que tem produto reciclável ou amigável do meio ambiente, precisa ter documentos, certificações para comprovar”, alerta o CEO, presumindo que em breve o greenwashing vai 
se tornar uma lei no mercado americano. 

Ele reforça que enquanto o Brasil conta com um órgão regulador e fiscalizador de colchões, o Inmetro – talvez o único no mundo – nos EUA o mercado é mais livre: empresas criam o produto e o consumidor é quem toma a decisão, ilustra o empresário, acrescentando, entretanto, que em alguns estados há regras duras no controle ambiental, citando explicitamente Califórnia e Rhode Island, muito embora seja possível encontrar iniciativas similares em outros estados.

Tecnologia

No campo de tecnologias, a Inteligência Artificial (IA) no dia a dia das empresas ganhou destaque na EBIA, incluindo as mudanças de comportamento dos consumidores, assim como a própria maneira de vender colchões. “A IA vai mudar muita coisa na forma de vender produtos”, ressalta o CEO da Overseas. Ele conta, por exemplo, que o e-commerce na Europa representa, na média, entre 18 e 20% da venda total de colchões. “É um índice alto comparado ao Brasil, que é de um dígito”, contrapõe.

Reciclagem é um tema recorrente e ainda há muito a ser feito na chamada economia circular

Na ISPA, foram abordados temas como desconstrução do colchão e economia circular. De acordo com Rene, já há tecnologias em que é possível aproveitar resíduos do colchão e transformar em camadas de conforto. “As aparas que sobram dos bordados ou mesmo os cortes de espuma são colocadas em uma máquina que transforma em camada de conforto para colocar dentro do colchão” exemplifica. Em tempo: a Edge Global Innovation, detém tecnologia que transforma espuma de colchão reciclada em solas de tênis. 

Kylie Roberts-Frost, a CEO do Australian Bedding Stewardship Council, esteve na ISPA em busca de maneiras de lidar com reciclagem de bobinas ensacadas. “Há ótimas máquinas de reciclagem, mas não temos nada parecido na Austrália”, disse Kylie, que levou uma amostra de plástico 100% reciclado pós-consumo que pode ser usado para bases de cama leves em abrigos de emergência. “No fim da vida útil, pegamos de volta, trituramos e fazemos uma base de cama inteiramente nova, então é um ciclo fechado completo”, ela compartilhou.

De volta ao ecodesign, Rene enaltece que esse é um momento disruptivo do setor colchoeiro. “Vai transformar a maneira como eles são feitos, seja espumas, tecidos, molas ou não tecidos – todo material que está dentro. É um ponto importante nos Estados Unidos e na Europa”, indica, anunciando que há fábricas contratando empresas de consultoria ou designers com experiência em ecodesign. A disrupção mais recente aconteceu 8-10 anos atrás quando se conseguiu comprimir, dobrar e enrolar o colchão e colocá-lo em uma caixa. “O ecodesign será a nova onda. Na verdade, já está acontecendo de uma forma muito tímida devido às leis da Europa, mas ela vem muito forte, com certeza”, conclui.

Principais preocupações da indústria de colchões

Mercado
Produção: A China lidera a produção mundial de colchões, seguida por Estados Unidos, Índia, Polônia e Brasil. A Polônia se destaca por exportar grande parte de sua produção, enquanto o Brasil exporta muito pouco devido ao alto custo de produção.
Mercado Europeu: O mercado europeu enfrenta dificuldades comerciais devido à alta de juros, inflação e queda no poder de compra do consumidor. A expectativa é de uma melhora lenta nos próximos anos, com crescimento de um dígito baixo.
E-commerce: O e-commerce representa entre 18% e 20% das vendas de colchões na Europa, um número significativamente maior do que no Brasil, que ainda se encontra na casa de 9%.
Importação de produtos chineses: A Europa teme a invasão de colchões chineses após os EUA imporem medidas antidumping. O aumento da importação de colchões chineses já é uma realidade na Europa e pode afetar também o Brasil

Sustentabilidade
Descarte e Reciclagem: O descarte de colchões é um problema ambiental devido à complexidade do produto e à dificuldade de separação dos materiais. A Europa está mais avançada em relação à sustentabilidade, com a Bélgica implementando uma lei que exige o passaporte digital para facilitar a reciclagem.
Greenwashing: A prática de promover propaganda enganosa sobre a sustentabilidade de um produto, é combatida na Europa por meio de uma lei da Comunidade Europeia. Os EUA ainda não possuem legislação específica, mas o tema está em discussão.
Ecodesign: O ecodesign está ganhando força na indústria de colchões, com o objetivo de tornar os produtos mais fáceis de desmontar e reciclar. Essa tendência deve transformar a maneira como os colchões são fabricados.
Passaporte Digital: O passaporte digital, que contém informações sobre os materiais utilizados no colchão, é visto como o primeiro passo para a desmontagem e economia circular do produto. A Europa está à frente dos EUA e do Brasil na implementação dessa tecnologia.

Tecnologia e Inovação
Inteligência Artificial: A IA está mudando a maneira como as empresas trabalham e como os consumidores compram, e a indústria de colchões não está imune a essa transformação.
Tecnologias de Reciclagem: Existem tecnologias que permitem aproveitar os resíduos da produção de colchões e transformá-los em novas camadas de conforto ou isolantes.

Regulamentação do Mercado:
Órgãos Fiscalizadores: O Brasil é o único país do mundo com um órgão fiscalizador específico para colchões, o Inmetro. Europa e os Estados Unidos não possuem regulamentação específica para o setor.